"Falta aqui gente", diz Marlene Martins, licenciada em Gestão de Empresas e uma das escolhidas. Marlene, 22 anos, é a mais jovem da equipa de nove elementos. Esperava encontrar mais pessoas no largo da igreja. "Estou habituada à confusão, ao barulho" de Almancil (Loulé), onde vive e onde milhares de turistas se cruzam. Ontem, deu o primeiro passo em direcção ao Algarve dos contrastes, que só descobre quem entra no coração da serra do Caldeirão.
À chegada a Querença, Marlene deparou-se com "um lugar tranquilo", que puxou pelas memórias de infância. "Passava férias no Alentejo, Almodôvar, terra dos meus pais, e ali também era tudo muito calminho." O sino da igreja anuncia as 13h, quebra o silêncio e abafa o canto da cigarra. O calor aperta, os aldeões juntam-se no café da D. Rosa, a olhar os forasteiros. Chega uma equipa de reportagem da SIC para um "directo", as atenções, por momentos, viram-se para o carro de exteriores da televisão. "O facto de estarmos num sítio isolado não nos limita, dá-nos mais responsabilidade", diz o vice-reitor da Universidade do Algarve, Sérgio Jesus, no discurso de apresentação do projecto.
É a primeira vez que esta instituição universitário põe "à prova" os conhecimentos dos alunos, num projecto que pretende contrariar a tendência para o despovoamento no interior. "Os desafios são grandes", reconhece António Covas, coordenador científico do projecto. Francisco Ferro, 27 anos, licenciou-se em Filosofia e em Engenharia Agronómica. Vem de Évora, prepara-se para recuperar hortas dos vales verdes da fonte da Benémola. "É preciso é ter abertura de espírito para ir de encontra às novas realidades", diz, destacando a singularidade deste território rural, encaixado entre o barrocal e a serra do Caldeirão. "Vamos trabalhar em equipa", sublinha.
Queridos desconhecidos
Nenhum dos elementos se conhecia até há dois dias. Fizeram uma espécie de "visita de estudo" à aldeia, para se ambientarem um dia antes de enfrentarem aqueles que os vão acompanhar, a partir de Setembro. Daqui por um mês, o grupo regressará - com a excepção de um deles, que é natural de Querença - para escolherem a casa onde vão viver durante o tempo de duração do projecto.
No final, António Covas prevê o surgimento de iniciativas que levem alguns destes estudantes a desenvolverem a sua própria empresa na aldeia. É essa, também, a expectativa da Câmara de Loulé e da Fundação Manuel Viegas Guerreiro que, em conjunto com a Universidade do Algarve, apresentaram uma candidatura ao Instituto de Emprego e Formação Profissional, para dar corpo a esta ideia, que envolve diferentes áreas científicas. O financiamento, na ordem dos 150 mil euros, ainda não está totalmente garantido. João Ministro, o gestor local da iniciativa, observa: "Falta uma empresa privada que se queira associar a este projecto inovador".
Luís Caracinha, 22 anos, licenciado em Design e Comunicação, acha que pode "ajudar a dar a volta" à forma como esta aldeia perto da serra se poderá ligar à "aldeia global" e aos milhares de consumidores que procuram produtos ecológicos. A colega, Sandra Fernandes, que se licenciou em Restauração e Catering e está a fazer um mestrado em Marketing, já pensa em comercializar "tartes de frutos silvestres" e valorizar o património gastronómico.
A visita do padre
O padre Carlos Matos juntou-se aos jovens à hora do almoço e deixou uma sugestão: "Não se esqueçam dos pratos típicos". Um dos mais conhecidos é o guisado de galo velho. A visita à igreja ficou agendada para uma próxima oportunidade.
Luís Caracinha, de Cuba, é membro de um conjunto de música erudita, Esfinge. Por isso, virou o ouvido quando o pároco disse que existe um coro da igreja e que no final dos ensaios "come-se uns bolinhos e bebe-se um licor", sugerindo que o licor, às vezes, pode ser trocado por medronho
Comentário: ... E em nove meses tudo pode acontecer...