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24 de Dezembro, ano de 1967, 10 horas da manhã. Hoje vamos os três. As vacas, esfomeadas, berravam já sem parar. Já de madrugada haviam soltado uns berros. Pudera, a fome aperta. Havia alguma palha e feno, mas Janeiro e Fevereiro eram meses danados. A neve, e as cheias cobriam o pasto. Na corte, dias e noites seguidos, só palha, ou feno. E, de quando em vez, para que a pele não desse no osso, um balde de batatas cozidas com casca, e farelo à mistura.
Meu pai:
- No alto da serra, na queimada ou na Rechenzinha, há algum pasto. E se não houver, matam o vício. Passeiam. Não ficam à espera do feno e da palha. Assim, não ougam.
Lá fomos os três rapazolas. O frio cortante queimava as orelhas. O nevoeiro cerrado tapava tudo para lá de um palmo à nossa frente. Só víamos a "marela", porque tinha o pêlo arruçado, e porque era a mais vagarosa e trapaceira. As outras duas, sumidas no "fumo" frio, lá iam à frente pela calçada do Ti Pedro acima.
Fomos assim até Ribeiro Côvo. Ali chegados, o Sol mostrou-se sem qualquer rodeio. Era quente. O Céu, azul, de um lado ao outro da abóbada, por cima do Vale do Corgo. O mundo transfigurara-se, num ápice, por cima e por trás, e, agora, à frente de nós.
Olhámos ao fundo, na direcção da aldeia. Nem uma telha. Por cima da Corte do Pereira, um mar de algodão ondulava até ao sopé do Castelo.
Nós, de regresso à realidade: " Jogamos o fito?"
- Vamos a isso!
Quatro lascas de granito que o tempo havia talhado à medida, do fragaredo vizinho, estavam ali à mercê. Dois pedregulhos de base larga, fizeram de pino. Toca a jogar. Prémio dos vencedores? Andar de "burro" de pino a pino, levado às costas por quem perdia.
Assim foi a tarde do dia de consoada. Alegre, feliz, no cimo da serra. Trabalho, jogo, e brincadeira fluiam numa harmonia fantástica.
O regresso, até à aldeia, foi animado:
- Eu escolho "letria", dizia o mais velho ( Numa época em que a "velhice" era um "posto"...).
- Eu escolho "rabanadas", dizia o do meio, ainda vitorioso.
- E eu escolho... ( mais difícil a escolha...agora...), eu escolho... confeitos, dizia eu, contente, apesar de tudo, pensando que já nenhum outro podia tocar, antes de mim, nos confeitos - esse doce inesquecível de natais simples, felizes, e memoráveis.
E o jogo da "escolha de guloseimas", inventado por nós, continuava até ao último "lembisco" possível.
Eis-nos em casa. A marela, a cabana, e a briosa já recolheram à corte, de pança cheia. Vão passar o Natal deitadas nos fetos secos que lhe trouxemos para lhes suavizar a cama de tojo. À ceia vão ruminar a erva do monte, enquanto nós, na cozinha, por cima, a trocar o nosso calor pelo delas, sentados no escano, junto à fogueira, nos vamos refastelar de canaveques rachadas a esfarelar, de bacalhau, e de troncha, regados a azeite virgem de Vila Flor. E no fim, antes da missa do galo, provaremos juntos, e ao mesmo tempo, a "letria" e as rabanadas, os bolos e os confeitos suados, ganhos no jogo do rapa, que "o da escolha" foi apenas uma feliz brincadeira.
FCR
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Absolutamente de acordo!
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domingo gordo é mesmo para enfardar :D :D :D
Os meus pesames a familia.
Como assim??