II
DE CANGAS DE ONIS A LOURDES
Pela manhã, Cangas de Onis reverbera mil cores. O verde naquele lugar tem tonalidades agrestes. Mas com os beijos quentes do sol as mesmas cores aveludam. E sentimo-nos bem, naquele aconchego. Ficaríamos ali para sempre. Mas Lurdes era o próximo passo daquela aventura.
E logo que o sol raiou e beijou o Camping de Onis, F. e eu desarmámos as tendas e arrumámo-las na bagageira repleta do rover. E entrámos.
Eis-nos de novo, na estrada. As curvas mostram-nos o Norte, e depois o Sul. E o Nordeste , e o Sudoeste. Tudo parece girar à nossa volta.
O Norte cantábrico, pela estrada além, é uma dança alucinante com a natureza. Ora bailamos junto do mar, com as suas ondas; ora dançamos, no cimo da serra, com as suas fragas; umas vezes rodopiamos numa valsa inebriante; outras vezes, num corridinho fantástico.
Atravessada a fronteira em Hendeye, seguimos até Biarritz. Depois à direita na direcção de Pau.
Caía a tarde, quando uma placa anunciou Lurdes. Saímos da auto-estrada. Poucos quilómetros, depois, lá estava “Lourdes”. Protegida, a Sul, pelas serranias dos Pirinéus, Lurdes parece aninhar-se aos seus pés.
Quase à beira da Santa cidade, a G.:
- Um parque de campismo, ali, à esquerda!
Verde, sereno, limpo, era o nosso querido refúgio da noite. O lençol ideal para o merecido descanso do nosso choffeur, que exclamou:
- “Aqui, nem os grilinhos me vão acordar.”
“Lourdes” e o seu Santuário são sítios de rara beleza.
Aos pés da santa, as águas frias do rio passam ondulantes, apressadas, saudando a cada segundo, a gruta ancestral. São as neves eternas dos Pirinéus que se empurram na ânsia de ali chegarem, peregrinas que são da natureza e da vida. Tudo à volta é virgem e puro. As árvores à beira do rio; as crianças que brincam no Santuário; as pedras brancas; os montes verdes até à brancura dos cumes; a relva fresca das suas encostas.
Quisemos agradecer à Santa a celestial hospitalidade . Por isso subimos o escadario que leva os fiéis à sumptuosa Basílica. E rezámos, ungidos de súbita fé, à virgem menina, implorando inconfessáveis perdões.
Deixámos o Santuário, leves, de alma e de corpo ( A alma esvaziara os pecados; e o corpo, depois daquela levitação, voltou à terra esfomeado).
Fomos subindo até ao centro urbano de “Lourdes”. Os cheiros que, por vezes, escapam dos pratos fumegantes das esplanadas, vão aguçando o apetite. O F. e eu, com a sede a iludir-nos as sensações, deixámo-nos seduzir por umas loiras, de aspecto jovem e fresco, que decoravam as mesas de um restaurante cheio de charme gaulês.
E foram elas, aquelas canecas a escorrerem de espuma, que nos fizeram sentar e jantar, logo ali.
Os rostos de C. e de G. iluminaram-se, quando pedimos quatro canecas. Chegaram à mesa geladas e efervescentes . E foi um inesquecível regalo, aquela bebida caída do céu; aquele “Steack” grelhado nas brasas do monte; e aqueles nacos esponjosos de “cammembert”.
Chegámos ao pino da festa. A G. e a C. falavam, falavam, enquanto regavam, regavam. E a garganta das duas secava, secava. Vieram as últimas duas “cevadas”. Beberam-nas. E regressámos às tendas. Era a hora de acordar do sonho e dormir.
( continua)